O romantismo da chapa de fogão [#43]

Quando o Rodrigo deu a ideia de comprar a chapa de fogão eu travei. Não me sentia preparada.

A gente morava junto há três meses. Tava me acostumando com a rotina de dormir e acordar com ele todo santo dia, de esperá-lo tomar banho e escovar os dentes pra levantar (sempre gostei de dormir um pouquinho a mais), de lavar a roupa e a louça e limpar a casa a quatro mãos. Com o que os pais dele liberaram da garagem e com o que os meus não queriam mais a gente mobiliou a quitinete. Não era muito: um colchão molenga, roupa de cama, sofá de dois lugares, mesa, cadeiras de plástico, tevê redonda e guarda-roupa. A geladeira pegamos de uma tia recém-falecida, o fogão um primo deu de presente, a máquina de lavar veio da vó que comprou outra e deixou a velha de escanteio.

Então na verdade a chapa era mais que uma chapa, era a primeira coisa que comprávamos pra nossa casa. Juntos na fila do crediário, no shopping, depois com aquele trambolho no ônibus. Era bonita, um retângulo de ferro preto que ocupava as quatro bocas do fogão com duas empunhaduras de madeira nas laterais. Vinha com uma espátula de aço inox. Pra mim era o decreto de que agora tava valendo, de que tudo que viesse em seguida passaria pelo escrutínio pesado do outro, de que a matemática financeira estaria eternamente dividida. O Rodrigo não se importou, mas era um grande passo pra mim.

Na estreia meus receios evaporaram. Filé de frango. O Rodrigo fez tempero de ervas finas com cebola e alho, comprou pão francês. Grelhou os filés, depois passou manteiga no pão e deixou até ficar torradinho. Me esbaldei. Algo despertou na gente aquela noite. O sexo foi maravilhoso e durou horas e de manhã fui pro trabalho rindo à toa. No dia seguinte voltamos pra chapa. Meus pais vieram, trouxeram salmão, Rodrigo cortou em tiras e fez com azeite e cebola roxa. Eles concordaram que era um ótimo investimento.

O lado ruim foi que a quitinete virou uma porqueira, gordura no chão, na parede, no teto. Perto do fogão ninguém mais andava, só deslizava. A gente limpava e bagunçava de novo. É engraçado dizer isso, mas parece que o amor latente pelo Rodrigo só veio à tona nos dias áureos da chapa de fogão. Coxão mole acebolado, medalhão de frango, yakisoba, omelete, contra fatiado com queijo, castanha e amendoim tostados, tapioca; no meio daquele mundaréu de comida descobri que amava de verdade. Vai entender. Eu ficava boba vendo ele cozinhar.

Quando a chapa enferrujou, ficou velha e arruinada, compramos outra. Mas magia é aquela coisa: nada supera a primeira.