O último banquete do Mão Santa

Guerreirão bate no peito e arrota frango com Brahma. Bar do João Cavalo, reentrâncias do Araés, beira do córrego. É onde Guerreirão enche o bucho de coragem pra erguer a mesa de Paínho Mão Santa com copo cheio e tudo e tomar mãozada na orelha, esconder dentro de si o acovardado que sai ganindo pela rua, engolir bolota cheia de cuspe grosso e devolver a mãozada. Paínho abre os braços pra se equilibrar.

Rudinei, Canhãim, Matoso, Muchiba, todos abrem. Eles abrem que isso não é coisa de meter bedelho. Vira um Gol na esquina, Matoso sai erguendo o braço pro carro fazer a volta que a rua fecha, fecha com os clientes do João Cavalo levantando e se esgueirando pra orla do poste, ninguém quer apanhar mas ninguém quer perder.

Paínho tá mal que tava no décimo-segundo copo e depois do décimo Paínho abre o botão do shorts. As pulseiras douradas tremem nos pulsos. Paínho tem um olho bem vermelho no canto esquerdo, que foi do dia que Guerreiro ainda pequeno botou fogo no mato nos fundos da casa e Paínho foi apagar e voou faísca no olho. Nunca mais sarou, nem sarou a vontade de descer a mão em Guerreiro, que guerrear ainda não sabia.

Guerreiro entra no suingue calcinado das botinas e desvia de um e dá outro nas costelas. O Mão Santa sai capengando e demora uns bons respiros pra recauchutar o fôlego, as fritas na tampa da goela. Tenta outro e mais outro e logo tá no chão com um rasgo no joelho e João Cavalo pede calma que isso é lugar de paz e cerveja cura, não maltrata, qué isso Guerreiro, não acaba com meu sustento.

Guerreiro tateia no fundo do bolso foló de Paínho e puxa a carteira, tira a foto da mãe, rasga, enfia o dinheiro na mão dele e diz pra subir a Miguel Sutil, comprar a passagem que der na rodoviária e nunca mais voltar pra Cuiabá. Paínho Mão Santa engole o restinho de orgulho no seco e cambaleia pros lados do viaduto.

Guerreiro seca a Brahma da mesa ao lado, pega Rudinei pela nuca, aperta. Tá aqui teu tempo. De escolher se vai com Paínho e dispersa a chucraiada ou se vai aprender a escutar e botar ordem na casa. Rudinei devolve o aperto.

João Cavalo encerra os pedidos dos melindrosos, desce um caldinho pras pazes com os que ficam.

Guerreirão desce o córrego de manhãzinha, trançando. Entra na casa, Jucinda agarrada na ponta do lençol, o peitinho na sinfonia do sono esfomeado. Olha o retrato da mãe na parede, descascado, única decoração da casa fora a TV em cima da cadeira. Coloca o pão na mesa. Dorme fazendo cafuné na filha.