Origami [#153]

Ilhas Malvinas: Catarina abriu a caixa de correio. Três faturas e um origami, um pequeno cisne feito com uma folha A4 branca. Outra tentativa frustrada do ex-namorado? Desdobrou, esperando uma mensagem no interior, mas ao invés disso se deparou com um pé. Um pé humano, feminino, cortado transversalmente na altura da canela, sem sangue ou coagulação, veias e músculos e osso intactos na face superior, caindo da folha como se estivesse dobrado ali dentro, o que era fisicamente impossível.

Japão: Yuji abriu a gaveta, atrasado pro trabalho. Notou um pequeno retângulo branco saindo da pilha de cuecas. Puxou. Um origami de cata-vento, dobrado em ângulos perfeitos, sem amassado algum, liso. Ideia da esposa? Abriu para ver o interior. Antes que pudesse gritar uma mão humana, unhas com esmalte amarelo claro, anel no dedo mindinho, caiu sobre as cuecas e ali ficou, fria.

Eslovênia: Edvan bateu o ponto no escritório do presídio, tomou um copo de café quente e foi pro vestiário. Abriu a porta, guardou o uniforme e puxou a calça e os tênis. Na prateleira superior, atrás da carteira, um barquinho de origami. Alguém arrombara seu armário. Ameaça de algum presidiário? Pegou o barco com cuidado. Olhou dentro do tablado de sulfite, nada. Abriu-o devagar e se viu diante de um umbigo. Era um pedaço do torso de alguém, uma barriga lisa, o umbigo e as costas, cortes retos formando uma espécie de quadrado, a espinha no meio, partes do intestino, a ponta do estômago. A ameaça mais contundente da história.

Equador: Manuel chegou em casa, pegou uma cerveja e ligou a TV. Enfiada na quina do sofá, uma folha. Puxou. Flor de origami. Só podia ser coisa da filha, feita na escola e jogada pela casa. Deixou no quarto da menina. Quando ela acordou viu a rosa, provável lembrança da mãe, e abriu, curiosa para ver como foi feita. Um pedaço de cabeça caiu na cama, um olho, metade do nariz e bochecha, seguindo até o fundo, cabelo castanho curto. O crânio, o cérebro, as vias respiratórias, tudo intacto. Ela desmaiou.

Islândia: Anastasia ligou a máquina e sentiu o chão vibrar. Dentro do campo de força mantido pelas agulhas eletromagnéticas, o pequeno vórtice abriu como se mãos invisíveis rasgassem o tecido da realidade e criassem uma janela para as possibilidades inalcançáveis do cosmo. Ela se sentiu atraída pela imensidão contida naquele pedaço exponencial da criação; não uma atração poética, mas uma fisgada gravitacional crescente e incontrolável, desesperada para pescar a autora da descoberta. A última coisa a que Anastasia tentou se agarrar antes de ser tragada pelo vórtice foi um pacote de papel sulfite, com 147 folhas em branco. A devolução de Anastasia nos 147 bolsões de micro-vórtices criados por todo o planeta era uma resposta confusa e aterrorizante, mas bem-humorada. Anastasia foi professora de origami antes de se tornar cientista.