Paizão sangue bom [#123]

Ontem a Sandrinha veio me falar que tá namorando. De novo. Um guri gente fina. Perguntei o que ele faz. Já começou errado. Disse que tá estudando, na terceira faculdade, faz uns bicos numa gráfica, é designer, desenhista, artista. Tá bom, filha, tá namorando vagabundo, pode dizer, o papai entende. Só uma coisa: daqui a pouco tem que parar de brincar. Aí arranja um decente, né? Casa, faz neto, que tua mãe tá querendo faz tempo. Eu pago a festa, a lua de mel em Paris, pode ficar tranquila. Só que vai de médico, filha. Ou advogado, aqueles com escritório já.

Aí a Sandrinha fica brava. Não entendo. O que ela quer que eu diga? Acha que tive essa trabalheira toda pra criar e ver nego aproveitador passar a mão e ficar de butuca na grana do velho aqui? Não, filha minha não. A Marta, minha esposa, diz que sou muito severo. Severo é o mundo. Faz tempo que aprendi a julgar as pessoas pela cara. E só pelo que a Sandrinha disse já descarto o sujeito, nem da cara precisa. Tu aprende, depois de lidar bastante com tudo que é tipo de gente. Muito baixo ou alto, complexado. Gordo demais, descontrolado. Magrelo, mão de vaca. Olho meio fechado de sono, tapado. Japa? Depressivo, acaba se matando. Cabelo grande, maconheiro. Tatuagem, marginal, já foi ou vai preso. Piercing, não vou nem comentar. Mas que é coisa de mulher, é.

Sandrinha até que arranjou um cabra decente uma vez. Tinha dinheiro, família boa, emprego. Promissor. Aí trouxe pra jantar num sábado. E ele era preto. Minha filha, eu tive que dizer, sejamos realistas. Ou você larga esse sujeito ou sai de casa. Ela é esperta, criei bem, fez como mandei.

Esse povo é engraçado. Acha que a vida é assim fácil. Eu ralei pra caramba pra montar o laboratório. Agora vivo na boa, durmo na piscina, só ando de caminhonete. Nego torce o pescoço, fala pelo canto da boca, julga, diz aquele lá, olha, tá com a vida ganha, tranquilão, nem esquenta mais a cabeça. Ah, mas esquento sim. Até a Sandrinha casar não sossego. Só que tem que ser guri bom, apresentável, educado, ambicioso. Igual o pai aqui, pra ter quem cuidar dela depois que eu pendurar a chuteira. Porque vai, convenhamos. É mulher. Eu não tive filho homem. Só ela. E mulher não sabe se cuidar sozinha, né? Precisa de alguém pra mandar, se não tropeça em batom de salto alto e fica estatelada no chão com o laquê pregado no piso. Igual cachorro, precisa da coleira pra não sair correndo pela rua e ser atropelado. Mas uma hora esse sujeito aparece. E aí fico em paz.

Em paz pra encontrar o manda-chuva lá em cima. Tô com as contas em dia. Não corro risco de não me aceitarem.