Peludo, o detetive [#121]

Late. Late. Late. Será que ainda não perceberam que tem algo errado ali? Um negócio fedido na grama? Late. Late. Ali, caramba. Bem na minha frente, decorando as folhinhas. Não é meu, óbvio que não é meu, o meu não fede. Mas parece com o meu, eu sei que parece com o meu. Quando me dão carne. Daí sai desse jeito meio melecado. Mas eu não ligo. Fica mais cheiroso. E é meu.

Corre, corre. Arranha porta, arranha, arranha. Acordem, acordem! Um ato de terrorismo no quintal e esse pessoal dormindo como se nada tivesse mudado, só o sol engolido lá atrás e a lua cuspida lá na frente. Quem dera! Late, late. Não é possível que não estão ouvindo! Isso que dá cochilar no serviço. Um minutinho. Um único minutinho e alguém vem e planta um pseudo-cocô na grama, com um autêntico cheiro de merda, e vai embora antes que eu abra os olhos. E o portão bonitinho, o cascalho zero, o muro intocado, a casa um silêncio profundo. Nada no ar, cheiro nenhum. E olha que meu focinho é bom. Não foi algo normal. E não foi um cachorro. Nem foi um gato. Nem foi um rato, embora o tamanho até que meio que– Não, rato não. Nem foi um camundongo. Nem foi um gambá. Nem foi uma pessoa, deuses, na grama eles não fazem, preferem jogar na água, e desperdiçar e fingir que não fazem. Nem fui eu. Então quem foi?

Pula. Pula. Arranha janela. Arranha. Arranha. Finalmente, uma luz acesa. Aqui fora! Vamos, alto. Acordei o alto ou a baixa? Por favor, o alto! Ele é mais esperto. E faz mais carinho. E me dá mais comida. E sorri quando me vê. E gosta mais de mim. E tem um cheiro melhor. E manda o gordinho parar de me apertar. Eu gosto do alto. Arfa. Arfa. A porta abre. Oi, alto! Late, late, late. Aqui, vem! Corre, corre, corre ao redor do cocô misterioso. O alto late, mas naquela língua estranha. Acende a luz do quintal, vem ver o que é. Abaixa, analisa. Me sinto mais tranquilo quando ele se aproxima. Chego perto, farejo. Late, late! Tá vendo? Não é meu, não é normal! E se foi um alienígena, um terrorista? O alto vai na garagem, pega um saco, coloca o cocô dentro, joga no lixeiro, tampa. Late, late, late. Pula. Lambe. Obrigado, alto! Obrigado!

Agora preciso farejar melhor, descobrir o mistério. Quem plantou esse maldito negó– Alto! Você de novo! O que foi? Arfa, arfa. Ó, santo Jeocão. Um biscoito! Sabor galinha! Corre, corre, late, late, late. Joga, isso, joga! Pula. Morde. Engole. Que delícia. Eu te amo, alto. Te amo tanto. Olho pra grama. Tento lembrar o que eu tava fazendo antes. Tinha alguma coisa ali, não tinha? Ah. Boceja. Vou dormir que eu ganho mais. Ignoro a pomba sorridente no telhado. Fecho os olhos. Sonha. Sonha. Sonha.