Procura-se novos amigos [#48]

Carlinhos tinha bons amigos, mas puta merda, eram um atraso de vida.

. O Joca estudou pra ser engenheiro, começou a trabalhar numa loja de shopping vendendo ar condicionado, largou a faculdade, ganhava pouco, morava numa quitinete dois por dois e não tinha intenção de sair.

. O Maurício tinha um emprego legal na concessionária, virou gerente, casou cedo. Todo mundo avisou que não ia dar certo, ele não ouviu, separou depois de dois anos. Perdeu dinheiro, perdeu a cabeça, o emprego, e agora vende seguro. Toda hora que ele aparece tenta vender seguro pra alguém. Ficou queimado.

. O Carlão, seu xará, tinha entrado no mestrado. Mas era maconheiro demais, perdia os horários, não queria saber de estudar. Perdeu a bolsa, agora era sustentado pela mãe, que insistia em não enxergar o óbvio.

. A Marina engravidou de um cara que conheceu na festa do calouro. O menino nasceu mas ela não empolgou, dizia que não queria ser mãe. Todos sabiam que quem criava mesmo a criança era a coitada da vó dela, que vivia sozinha e numa cadeira de rodas. A Marina passava semanas sem ver o filho. O pessoal ficava com tanta pena da vó e da criança que quase não chamava mais a sem-noção pra sair.

. O Costa até que tava evoluindo. O tio dele tinha uma fazenda na divisa do estado, deu a ideia de vender carne na capital. Ele passava de caminhonete nas cidadezinhas do interior, caixona térmica na caçamba, comprando carne nesses açougues de família, fazenda pequena. Vendia pelo dobro do preço na capital. Deu entrada numa casa, tava melhorando, mas passava as noites e o final de semana entocado jogando vídeo-game.

. A Lorrana só queria saber de beber. Tá bom, todo mundo bebia, mas tava exagerado o negócio. Ela invernava na cachaça, na vodca, na cerveja, no uísque, e toda noite passava mal. Começou a dar vexame, ficou chato, tavam pra desistir dela também.

Carlinhos parou de pensar nos amigos, tava batendo uma deprê. Precisava arranjar um grupo novo, pessoas produtivas, que o levassem pra frente. Levantou, o sol do meio da manhã atrapalhando o sono. Pegou o carro da mãe, foi até a conveniência, comprou cigarro e energético no cartão do pai; nunca tinha dinheiro na carteira. Chegou no trabalho atrasado. O chefe o mandou embora. Disse que até pra trabalhar em almoxarifado tinha que ter horário. No caminho de volta pensou no argumento que inventaria pra continuar financiando as saídas com os amigos. Achou que seria justo dizer que tinha que receber mesada até os 30. Os tempos mudaram, mãe.

  • João Victor Linhares

    Muito bom!

    • http://flashfiction.com.br Santiago Santos

      Valeu, João!