Sabonete líquido [#149]

Quando olhei pra trás vi o tubo de espuma saindo do ralo. Um tubão minhoquesco, caído feito rabo gordo. Bolhas cristalinas, mínimas, mosaico de desinfecção com cheiro de erva doce. Voltei a ligar a torneira, a água correu, o bicho cresceu.

De dois em dois meses eu trocava o sabonete. Comprava refil e enchia o frasco. Só que daquela vez escorreu, caiu na pia, desceu espumando pelo cano, remexeu e escapou pela saída mais próxima. Comprei outros vinte refis. Joguei aos poucos, torneira no máximo, tudo entrando em ebulição no encanamento. O ralo virou mangueira, o banheiro tanque de experimentos.

Senti a espuma abocanhar todos os cantos, entrar na privada, abraçar perna, cintura, braço, porta, janela, chuveiro. Em alguns minutos me encontrava imerso num paraíso bolhístico. Continuei até acabar o estoque, sentindo a textura engrossar, solidificar. Os movimentos ficaram pesados. Levantei a perna com muito custo, alcancei uma área nebulosa quase sólida, um degrau. Achei outros e fui subindo. Lá em cima, zona rarefeita, abri a escotilha. O vento entrou escancarando porta e janela, levando minha nuvem cheirosa embora.

Me agarrei na borda, me ergui, sentei na couraça metálica. Era um tablado infinito e reluzente. Andei até a casa de máquinas. Um homem barbudo e cabeludo de chinelo de dedo controlava um leme. Pediu pra eu sentar, perguntou como cheguei ali. Contei a história da espuma. Ele riu. Disse que era a ideia mais inusitada de todas. Daí pegou no meu ombro, falou que eu precisava voltar, esquecer essa confusão. Perguntei quem ele era. Riu de novo. Abrimos a escotilha e desci pela corda que segurava. Acordei e não lembrava de nada. Só sentia uma ausência estranha toda vez que ia no banheiro.

Eu nunca soube disso em vida, mas por minha causa o sabonete líquido foi desinventado.