Saudade é palpável [#132]

Pisa na casa e estremece. Depois da porta, sobre o ladrilho empoeirado, sob o teto teioso, minúsculo naquele santuário, estremece.

O rabisco na parede: o giz de cera que Marquinho ganhou de natal. O quadro: Maria insistindo em alegrar o ambiente. O rachado no azulejo: o martelo caindo de cabeça ao consertar a janela.

Na cozinha as panelas empilhadas no fogão, da maior pra menor; carreteiro, macarrão, ensopado, bife, ovo. Ronrona se esfregando nas seis pernas durante o almoço na esperança de que uma migalha escorregasse e caísse na sua boquinha sedenta.

Na sala o sofá, Marquinho assistindo desenho, acima dele duas mãos entrelaçadas aguardando o sono do menino para o blu-ray novo na bolsa. O sofá gemendo enquanto peles entrançadas roçavam e queimavam.

No quarto o colchonete que o filho trazia no meio da noite e jogava aos pés da cama, esperando que os pais não notassem, e fingiam não notar. Na cabeceira os arranhões de Maria quando discutiam, a ansiedade comendo a madeira em silêncio.

Na varanda a cadeira de balanço herdada do avô, ali parada, irremovível. Senta, os fios absorvendo o corpo. Puxa o banquinho, assenta a garrafa com água, limão e gelo, enche o copo de tereré e toma balançando, olhando o matagal no fundo que um dia seria piscina. Quando torna a encher o copo os gritos de Marquinho são tão reais quanto o peso de Ronrona dormindo no colo ou quanto os braços em volta do pescoço, Maria perguntando ao pé do ouvido “no que você tá pensando?”.

Nunca entendem porque não vende a casa.