Segredos do ofício [#174]

Me perguntam de onde um escritor tira suas ideias. Não sei como outros trabalham a inspiração, mas tenho uma relação muito íntima com as histórias que escrevo. Tudo parte de uma dieta apropriada e conectada com o texto. Paladar é tanque de gasolina.

Quando pensei no mistério das folhas de bananeira nos confins da Amazônia, o que tinha na cabeça eram folhas de bananeira e um assassinato qualquer, sem conexão. Pedi a um amigo da região pedaços de plantas, pedregulhos, água dos rios, penas e pelos de animais, pertences dos moradores das vilas. Ideal seria viajar e coletar isso in loco, mas é de conhecimento público a miséria que cerca a vida dos escritores. Na época eu só possuía o suficiente prum PF e uma dose por dia. Duas semanas mais tarde chegou a caixa com a colheita da flora e da fauna, retalhos de tecidos gastos e enlameados, chinelo velho, anzol de pesca, botões. Dessa mistura nasceu o chá escuro e azedo que ingeri pelos 27 dias necessários pra narrar a história de cabo a rabo. Doente e exausto, como é o costume após fluir essa essência pelos dedos, passei um bom tempo deitado na rede, me recuperando pra revisão.

Pro cenário o segredo é esse. Outras coisas, outros métodos. Quando soube que meu detetive se meteria numa briga, cortei a almofada do polegar e chupei o sangue. Quando dormiu por dias pra se recuperar, tomei soro, rasguei uma tira do travesseiro e deixei sob a língua. Quando ameaçou o assassino acuado no depósito de cacau, lambi a empunhadura dum revólver, comi chocolate amargo e polvilhei pólvora no céu da boca. Quando o perseguiu de carro, escrevi dentro do Chevette acelerado no ponto morto, fumaça estalando nos dentes e ardendo nas narinas. Quando enfim o encurralou e prendeu, eu mascava chicletes de nicotina (ele fumava assim que solucionava os casos) e lambia as costas de uma medalha.

Nada, absolutamente nada me prepara melhor pra escrever que isso. Cada um alimenta o artista interior como prefere.

Minha carreira tem tudo pra se encerrar com o Nobel e uma estátua na cidade onde nasci. Mas no terceiro romance invento de escrever sobre um povo que só come comida estragada. Morro na metade do capítulo 4.