Sintonia fina [#103]

- Diz aí, 10. Como anda essa força?
- Tô bem. Daquele jeito. Nem perto do teu nível ainda, né, 4, mas melhorando.
- Maravilha. Não acho ruim, sério mesmo. Tua audiência pode crescer, não é ameaça.
- Vai desmerecendo, vai. Tô pegando teus atores de pouco em pouco. Tão adorando. Recebendo bem mais.
- E adianta? Roubando refugo, fazendo novela porcaria, afundando carreira.
- Afundando uma ova. Nosso público é fiel.
- É fiel mesmo. Tudo fiel. Sintoniza de madrugada, aquelas pregações insuportáveis. O bispão tá só que engorda o caixa.
- Isso é inveja, é? O povo quer ver crescer o projeto deles, Deus tá do nosso lado.
- Deus tá aqui também, não monopoliza. Quem é que compra direito da visita do papa sempre que ele resolve aparecer? Quem é que tem exclusividade da missa do padre mais carismático? Tá por fora. E o nosso jornalismo é o mais admirado, de longe.
- Para. A internet bomba elogios ao nosso jornal. Investimos num negócio muito mais claro, objetivo. Não tem esse tanto de rabo preso com o governo.
- Besteira. Vocês têm é rabo preso com a igreja. E ainda vem falar de objetividade.
- Não negamos de onde viemos. Mas não monopolizamos a verba de propaganda governamental. Tá só que bebe na fonte, né? Aí fica fácil.
- Olha, 10, começou a apelar. Se continuar nessa lenga-lenga não vamos chegar a lugar nenhum. Falando em lugar nenhum, e o 25, hein, cada vez pior das pernas!
- Também, né. Música. Só música! Que ideia! Quem gosta de um canal só disso? Palhaçada mesmo. Mas melhor que o 56, só velho falando.
- Ah, mas tem que ter, né. “Informar o povo”, até parece. Telespectador meu sintoniza lá pra fazer o filho dormir.
- Boa! E o 17? Filme antigo, preto e branco. MPB. Entrevista em estúdio feio. Investimento em câmera nova, alô!?
- Deixa eles ficarem com os filósofos e universitários metidos a intelectuais. Nós ficamos com os outros 96% do público.
- É tudo isso ainda?
- Nada. Tô brincando. Tá que cai. Pessoal agora quer a cabo. Coisinha amaldiçoada. Ficam baixando os preços.
- Verdade. Mas vou confessar, tem uns documentários de animais que eu gosto. Na África, sabe?
- Sério? Eu prefiro os de viagem, aquelas comidas exóticas. Acho um barato! A gente até tenta fazer, passa nas sextas à noite, mas nem se compara com esse pessoal, a programação inteira é só isso.
- Não menospreza. Também fazemos coisas bacanas.
- Anhan. Mas não se preocupa, não. Quem é que tá na boca do povo, de verdade? Ainda vamos longe.
- Deus te ouça!
- Aí não tenho como saber.
- Isso foi uma afirmação. Esqueceu que temos linha direta?
- Anhan.