Tirando a prova [#34]

Minha boceta quer abraçar todos os paus do mundo – ela disse, com aquela pretensão vazia de ser levada a sério num boteco de esquina, rodeada por gente que já sabia de sua boca suja e não se surpreendeu com a afirmação. Eu era o único desconhecido da maioria ali, e não foi necessário muito esforço para entender a indireta quase direta à minha pessoa. Talvez o descaramento se devesse à quantidade de álcool ingerido, mas as garrafas na mesa ainda eram poucas, e eu sabia que aquele era o tipo de coisa que não saía à toa, precisava de ensaio.

Obviamente acabamos num motel perto do bar; ela não brincou quando dissera aquilo. Mas eu já cansara desse tipo de coisa, dessa atitude de quem faz um esforço descomunal para ser levado a sério na brincadeira. Me parecia, pelas idas e vindas da vida, que a pessoa que se esforçava para dialogar em alto e bom tom sobre sexo, e na maioria das vezes defender uma posição pró gandaia e putaria, era o tipo de pessoa que não impressionava na cama. Minha teoria era que o esforço para falar sobre o negócio era tamanho que exauria parte da disposição para o ato propriamente dito. E eis que lá estávamos e ela já parecia satisfeita de abraçar o dito cujo enquanto eu ainda passava a segunda marcha. O álcool no sangue não era explicação plausível, como ela tentou argumentar. Era o simples caso de se satisfazer com pouco, de encontrar maior prazer na quantidade que na qualidade, e de arrotar essa conquista nas rodas de bar, que parecia ser o problema de muita gente que eu conhecia.

Depois de sair de lá insatisfeito com a falsa revolucionária, comecei a pensar que não podia mesmo dar credibilidade a alguém que se referia ao seu membro na terceira pessoa. De minha parte, nunca disse que meu pau queria foder alguém; isso sempre parecera uma decisão minha que utilizaria o membro como parte integral de um corpo que eu controlava, e não um apêndice desprovido de sintonia e completamente capaz de atos próprios. Mas além disso, o que me ocorreu era uma conclusão a que eu já chegara repetidas vezes: quem late não morde. Eram as quietinhas que realmente detinham todo o arsenal necessário para as aventuras entre quatro paredes. As que não falavam, que evitavam cantarolar vitórias e derrotas, que aparentavam nojo quando as histórias alcançavam detalhes sórdidos, que se faziam de bobas quando preferências eram discutidas. Essas eram as melhores, não havia dúvida. A explicação se encaixava na mesma linha teórica anterior, mas pro lado oposto: como as quietinhas guardavam o discurso, internalizando opiniões e anseios, pareciam armazenar o combustível que vinha à tona quando não havia amarra social alguma envolvida; quando tudo o que havia diante delas era um homem, uma imaginação fértil e uma resistência física que desafiava a normalidade.

Somos todos pervertidos, afinal, disso eu não tinha dúvida e Nelson Rodrigues chegara antes para cantar a bola. Não dizer o que pensamos não significa que não pensamos, de forma alguma. Reservar o desejo para o momento certo parecia o segredo da felicidade nesse e em tantos outros assuntos. Eu já aprendera a lição de não dar confiança a quem usava qualquer ocasião como palanque para alardear seus ideais de araque. Mas partindo do princípio que a perversão mora em todos, eu me sentia incapaz de resistir à tentação de um oferecimento descarado, nem que fosse para descobrir, pela inumerésima vez, que eu estava certo quanto a esse tipo de pessoa.

O que nunca me impediu de tentar achar a exceção à regra.