Ultrapassagem

- Documento e habilitação, por favor.
- Bom dia, seu guarda. Amor, pega no porta-luva. Dentro do manual. Isso. Aqui.
- Hm. Hm. Pode descer do carro, por gentileza, sr. Costa?
- Claro.

- Então, sr. Costa. O senhor ultrapassou na ponte. Infração gravíssima.
- Desculpa, seu guarda. Mas aquela Belina tava devagar demais, dava pra ver a estrada na frente, não vinha carro.
- É contra a lei.
- A gente tá só tentando chegar na praia. As crianças esperaram esse dia a semana inteira.
- Sem problema. Só vou anotar a multa aqui e o senhor pode ir embora.
- Quanto é a multa?
- 191 reais, mais 7 pontos na carteira.
- Nossa Senhora.
- Já tem pontos na carteira, Sr. Costa?
- Não.
- Infelizmente agora vai ter.
- Olha, seu guarda. A gente tá aqui no meio do nada. O senhor sozinho nesse calor infernal. Viu que a ultrapassagem foi inofensiva, sem perigo. Será que a gente não pode resolver isso de outra forma?
- Que outra forma?
- Não sei. Um incentivo aí, qualquer coisa.
- Hm?
- Deixa eu ver aqui. Trinta, quarenta, cinquenta. Um, dois, três. Cinquenta e seis.
- Acho que se enganou, sr. Costa. Eu sou policial, não posso corroborar com–
- Minha esposa deve ter mais cinquenta na bolsa.
- Realmente não tinha ninguém na outra pista.
- Isso.
- É verdade. Me diz uma coisa, vi um isopor ali no banco traseiro. É carne ou algo congelado?
- Cerveja e refrigerante. Pra praia.
- Então. Tô pra voltar pro posto, quebrou o nosso filtro lá.
- Claro, claro. Isso deixa tudo acertado?
- Opa.
- Já volto.

- Não acredito, Amarildo. Ele pediu o dinheiro e as bebidas também?
- Tô te falando, amor. A multa era 200 contos. Mais os pontos. Ficamos no lucro.
- Mas não tá certo isso. Que situação chata. Você não disse que não tinha ninguém na outra pista?
- Disse. Mas é contra a lei.
- Vou te contar, hein. Domingo bonito desse, o sujeito se esconde no meio do mato pra multar pai de família, trabalhador que quer passear um pouco. É pra acabar.
- Poisé, amor. Brasil é foda.