Velho tarado [#37]

- Você ainda me quer, bem?
- Claro que quero.

Não adiantava. Kássia vivia perguntando a mesma coisa ao marido e a resposta era sempre a mesma, e isso a deixava louca. Ele era eloquente, tudo bem, isso ele sempre fora. Mas havia algo mais ali. Kássia sabia quando ele respondia algo com aquela certeza natural e quando respondia só por responder.

Esperou um pouco. Nada. Foi pro banheiro. Ele dizia que a queria mas não se levantava, não a procurava, nem se mexia na cama. Duas camas separadas, uma em cada canto do quarto há mais de dez anos, porque as bexigas não eram mais as mesmas e as visitas ao banheiro na madrugada começaram a irritar. Ligou a luz, olhou no espelho. Talvez se pintasse o cabelo. Aquele grisalho não era nada atraente. Mas o marido mal tinha cabelo, e o que tinha não se preocupava em pentear ou cortar. Por que ela tinha que ficar bonita se ele não fazia o mesmo? Mas era Kássia quem se preocupava, quem queria ser desejada, quem ainda procurava o encanto bruto do homem, mesmo que na velhice. Havia algo criminoso em desejar o que sempre desejara agora que chegara aos 72?

Ficava profundamente irritada com as revistas escondidas embaixo do colchão do marido, que ele comprava quando saía para pagar as contas. Sexy, Playboy, Buttman, todas aquelas mulheres carnudas e de pele lisa, seios avantajados, bundas pronunciadas. Um cabelo liso e brilhante atrás do outro, longe daquele grisalho mirrado que nascia duma cabeça manchada pela idade. Será que nada sobrara das juras de amor da juventude, quando ele lhe tomava pela cintura e dizia que a amava? Se tornara algo cíclico, para ambos. Havia períodos de intenso foco profissional em que deixavam de molho esse aspecto do relacionamento, mas sempre havia um retorno, um porto seguro, o compromisso de reciprocidade. Não mais. Não pelos últimos anos. Teria ele finalmente enjoado, Kássia se perguntava. Voltou pra cama, dormiu, tentou esquecer.

No dia seguinte foi tomar um café na vizinha. Quando chegou em casa o marido estava trancado no banheiro. Olhou embaixo do colchão. Ele levara as revistas. Bateu na porta mas não houve resposta. Procurou a chave reserva que guardava na despensa. Entrou. Em cima da privada estava uma das revistas abertas. Ela não precisou chegar muito perto para ver que algo se mexia na página. O marido estava lá dentro, um velho caduco e muxibento se esbaldando com o mulherão que estampava a capa. Como entrara ali ela não fazia ideia. Fechou a revista antes que ele percebesse, abriu a tampa da privada e a enfiou no buraco. Deu descarga. Enquanto as páginas molhadas eram tragadas, ouviu um grito aguado, um soluço entrecortado de desespero.