Recruta

Desço da nave sentindo a adrenalina fisgar os olhos e secar a língua, ouvindo os inúteis incentivos da Inteligência Artificial da bio armadura. Sensores da nave indicam a vila dois quilômetros à frente, depois das colinas. Podemos ver a arquitetura exótica através dos mosquitos, micro satélites que sobrevoam a região, mas os drokkars só são visíveis a olho nu.

Dois deles nos surpreendem. Pulam de falsos bancos de areia brandindo lâminas adaptáveis, capazes de fatiar qualquer coisa. O tenente Rifissá tomba em duas metades antes que consigamos neutralizá-los com os rifles sônicos.

Eles não utilizam naves; se locomovem pelo espaço em bolhas camufladas auto-suficientes, que começam a se deteriorar ao entrar em contato com qualquer atmosfera, interfaces impulsionadas por um processo de combustão ainda não totalmente compreendido. Quando uma bolha fura o escudo energético ela viaja irrastreável até algum dos planetas fronteiriços. Só são identificadas pelos nossos sensores quando o processo de deterioração está avançado, e a essa altura os tripulantes já desembarcaram e começaram a construir suas vilas subterrâneas. Se entendem, os celestiais não nos explicam por que motivo os drokkars fazem isso. Planetas centrais, incluindo a Terra, continuam intocados pelas bolhas, e lutamos para que continuem assim.

Dentro da vila encontramos mais sete drokkars, que nos eludem em suas habitações escavadas, verdadeiros labirintos. A eficácia do treinamento se prova nos poucos minutos necessários para eliminá-los. O soldado Gorvik é o único ferido, nada que dois dias no tanque não resolvam e até melhorem com um implante ciber no lugar do braço arrancado. Retorno à nave ouvindo as congratulações da IA pelo tiro certeiro dentre as dezenas de erros, e recebo um aceno de cabeça da capitã Rokai. A equipe de cientistas desembarca para localizar a pedra uterina que os drokkars depositam no coração de suas vilas, que nunca alcança o tempo necessário de maturação.

Pelo comunicador, no entanto, gritos revelam que há algo errado, e a cabeça da capitã Rokai rola pra dentro do compartimento. Paralisado, a bio armadura zumbindo devido a algum defeito imprevisto, observo meus companheiros também imobilizados abatidos um a um por um drokkar. Ele me deixa por último e me observa curioso através do painel frontal do capacete. Silva algo incompreensível, encostando a palma no meu peito. O traje religa mas não me obedece. Minhas pernas me levam pra fora e pro meio do deserto, atrás do inimigo. Depois de algumas horas ele para, desenha algo no ar e puxa. Minha bio armadura caminha pra dentro de uma plataforma invisível e elevada. Ele vem logo atrás e ao fechar a abertura o deserto some e me vejo dentro de um circular e complexo emaranhado de tecido viscoso. Uma bolha drokkariana viva. Sinto o deslocamento quando nos afastamos da superfície. Sinto as mãos do inimigo tateando minha armadura. Sinto o impacto frio e nebuloso do ar quando o capacete é removido e perco a consciência.

Meu primeiro dia de campo em um conflito que beira três séculos de existência e me torno seu primeiro prisioneiro de guerra.


Esta é a segunda parte da série Os Celestiais e os Drokkars, uma aventura espacial em 7 episódios. Confira as demais:
1 – Celestiais
2 – Recruta
3 – Travessia
4 – Bokartianos
5 – Estratagema
6 – Catapulta
7 – Drokkars