Jourrúbio e o jogo do Brasil [#60]

Liberaram Jourrúbio do trabalho na farmácia quinze minutos antes do jogo.

Foi tempo suficiente para vestir a camisa do Brasil, andar os poucos metros que o separavam do Choppão, tradicional bar cuiabano, e pedir uma porção de batatas fritas. O lugar estava apinhado; só conseguira uma cadeira porque um grupo de amigos da torcida organizada do Mixto a enfiara no meio de um cordão humano onde nem os garçons chegavam. Jourrúbio era um cara tranquilo, amado, e os amigos diziam que valia o esforço.

Molhou o bico com dois chopes antes do juiz apitar a saída de bola. A barulheira infernal da torcida na TV inflamava o bar, e cada passe certo era celebrado com um urro que legou os torcedores mais inflamados à uma previsível rouquidão pré-intervalo. Jourrúbio comemorou o gol da seleção no primeiro tempo cuspindo parte das batatas no colo, e aproveitou a visita dos times ao vestiário para pedir um espetinho de carne com farofa de banana. Não tem, o garçom disse. Tá bom, então me vê só a farofa. Hoje também não tem. Não, não é possível, eu vou ter um troço. Calma aí, disse o garçom, vou pedir pro entregador buscar ali na Isaac Póvoas, tem um restaurante que sempre faz. Jourrúbio era cliente antigo e conhecido, e já merecera essa colher de chá alguns milhares de reais atrás.

O jogo voltou. Amargou o empate virando um copo cheio. Quando o Brasil disputava para meter o segundo e alcançar a vitória a poucos minutos do apito que profetizava a prorrogação, Jourrúbio sentiu a velha sensação que vinha quando a querida farofa de banana não circulava em seu sistema por mais de um dia. Pediu licença, pulou os amigos pregados um ao outro na cola da expectativa e parou na calçada. Olhou os dois lados da rua, o movimento depois da praça, e nem sinal do motoqueiro. Um estalo rápido e Jourrúbio não estava mais ali. No Mineirão, exatos três segundos mais tarde, uma cabeceada no escanteio de Neymar e a bola balançou a rede. Disseram que foi a cabeça de Paulinho, e como nem as câmeras em slow motion capturaram aquele vulto indizível, não houve discussão. Apenas o goleiro uruguaio reclamou da macumba brasileira, mas já era tarde demais.

Quando Jourrúbio reapareceu na calçada, três segundos depois do gol, só não desmaiou de cansaço porque finalmente viu o motoqueiro subindo a rua. Alcançou-o enquanto parava a moto atrás da banca de revistas, rasgou a sacola plástica como um animal e meteu a boca na marmita. Depois disso foi só reencontrar seu lugar entre os amigos queridos e festejar de barriga cheia. Outra vitória brasileira. Pediu a saideira.


*Confira outras aventuras de Jourrúbio, o primeiro super-herói cuiabano:
-Jourrúbio e a farofa de banana
-Jourrúbio e o congestionamento
-Jourrúbio e o peixe de Bom Sucesso
-Jourrúbio e o jogo do Mixto