Baldo e o Halls preto [#28]

Uma garrafinha de uísque. Um maço de cigarros. Um Halls preto.

Nada do que ela tinha no bolso dava indicação do que acontecera. A garrafa estava fechada, a mão direita enfiada no bolso, envolvendo-a. O maço lacrado. O Halls aberto, apenas o primeiro faltando. Ainda bem que Fustibaldo encontrara a mulher antes da polícia, ou as possíveis pistas já estariam perdidas, misturadas, desfeitas. Agachou, pegou suas mãos, cheirou as pontas dos dedos. Nada do cheiro industrializado da bala. Se aproximou da boca entreaberta, roxa, respirou fundo. Ali sim, a ardência refrescante facilmente identificável. Acontecera há pouco tempo. Reparou nos olhos vítreos da mulher, mirando a parede no outro lado do beco, vazios. Não havia sinal de agressor, nenhum ferimento. Talvez a causa não se encontrasse no plano físico.

O que teria acontecido? Como reviver o momento exato da morte, encontrar o possível culpado, o autor do desastre? Os objetos guardavam sensações, o histórico vibracional do que acontecia ao seu redor. Ele só precisava encontrar o que havia de mais disposto a dialogar, a retroceder no tempo, a mostrar o que estava gravado. Segurou a embalagem de Halls. Havia algo de errado ali, uma energia exótica, algo que não combinava com a mulher como o uísque e os cigarros pareciam combinar. Fustibaldo abriu uma bala, enfiou na boca. Deixou o sabor envolver-lhe, o ritmo cadenciado do papel metálico revelar suas impressões sutis.

Foram necessários alguns minutos, mas a conexão foi estabelecida. Uma mão feminina, dedos fortes, autoritários. Logo visualizava a cena. A bala desembrulhada no alvoroço, descendo a rua com pressa. Uma buzina incauta, um susto, a bala engolida. O sufoco, o desespero, ninguém na madrugada deserta para ajudar. A garganta travada, o grito que não saía. A mão tateando o bolso para encontrar a garrafa quando já era tarde demais, na esperança de que um gole pudesse salvá-la. A calça jeans apertada, os dedos lutando para penetrar o bolso, a força se esvaindo.

Não havia nada além disso. Nenhum monstro, entidade ou espírito oportuno, como costumava ser o caso. Às vezes a causa da desgraça era muito mais simples e direta, e nessas situações Fustibaldo se sentia impotente, ciente que suas habilidades de nada valiam. Um detetive sobrenatural nada podia fazer quando a vida se encarregava de encontrar um ponto final.

Um golpe de azar. Não havia como evitá-lo.


*Fustibaldo [Baldo para os íntimos] é um personagem recorrente por essas bandas. Confira as outras aventuras do nosso detetive sobrenatural:
-Baldo e a ponte
-Baldo e o asilo
-Baldo e a comida podre
-Baldo e o morto
-Baldo e a garoa
-Baldo e o chapéu
-Baldo e o alçapão
-Baldo e os choros da noite
-Baldo e a luz do elevador
-Moleque bom